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Somente a verdade

Publicado 30 Jun 2016 – 08:15 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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O divórcio precisa ser compreendido como algo natural que, apesar das dores que se instalam a sua volta, é ético e legítimo. Esconder essa situação ou impedir que a criança fale sobre este assunto fora de casa é inscrever o divórcio no lugar de marginal, como se algo de errado estivesse acontecendo.

A criança como parte constituinte da família deve ser participada do que estará por vir, a forma como seus pais estão se organizando para que a separação seja efetivada e das decisões tomadas ao final do processo.

É preciso que a criança compreenda que o fato do casamento dos seus pais não ter dado certo não a impedirá de existir como pessoa e no desejo desses seus pais


Os pais precisam assumir a decisão quanto ao fato de desejarem se separar. Desta forma, poderão se preparar e preparar seus filhos. Não falar da separação ou vivê-la como um segredo poderá causar na criança prejuízos, pois, na verdade, aquilo que não se fala por palavras se apresentará por atos: ansiedade, estado depressivo, tristeza de um dos pais "sem motivo" aparente.

Muitos casais pensam que, pelo fato de conseguirem se separar de forma amigável, não há necessidade de comunicar a criança, que por ser pequena não precisaria saber a verdade. Grande engano!

Não falar sobre a separação e o divórcio aos filhos e postergar essa informação com mentiras, na tentativa de justificar a ausência de um dos pais e as mudanças na rotina da família, é que poderá ser traumatizante para a criança. Não se pode chegar ao fim de uma relação que envolve terceiros (neste caso, os filhos) deixando-os à parte da situação ou ainda construindo uma história baseada em fatos irreais, pois não estamos numa ficção. Ao contrário, estamos falando de vidas que precisam de uma base sólida fundamentada na verdade.

É comum vermos pais separados que constroem toda uma forma de relacionamento que deixam a criança confusa. Por exemplo: o filho permanece na casa onde morava com os pais junto à mãe, o pai passa toda noite para vê-lo e às vezes pode até dormir na casa... Os novos pares não são apresentados à criança ou quando apresentados são colocados a título de amigos... E nesta história muita inverdade vai sendo construída e a criança se constituindo nesta dicotomia entre o que ela sente, vê e percebe e o que falam para ela.

Ainda que toda criança tenha a fantasia de que os pais são inseparáveis, por conta dos seus desejos infantis (em algum momento ela espera que papai-desapareça-para-ela-ficar-com-a-mamãe), se não é informada sobre a decisão dos pais, ela poderá acreditar que os seus desejos destrutivos em relação a um deles se concretizou. A separação se torna uma ameaça e quase sempre a criança se sente culpada. Se os pais oferecem um espaço de diálogo, falando sobre a decisão deles, a criança passa a conviver e a compreender a realidade do mundo adulto.

Desta forma, não se estará ajudando a criança passando a imagem de que nada aconteceu e deixando a cargo do tempo para que a ela elabore sozinha a nova configuração familiar.

É preciso que a criança compreenda que o fato do casamento dos seus pais não ter dado certo não a impedirá de existir como pessoa e no desejo desses seus pais.

A criança precisa inferir que o fato dos pais não se amarem como homem e mulher não coloca a relação dela com cada um dos deles em xeque, e que para ela crescer de forma saudável não é preciso necessariamente que os pais estejam juntos, casados mas, sim, juntos no que diz respeito ao seu desenvolvimento e no que se refere à sua educação.

É preciso cuidar ainda para não colocar a criança como objeto de negociação e muito menos usá-la como possibilidade de evitar a separação ou para fazer acordos quanto às questões de guarda, pensão etc. Lembrem-se: os pais são os adultos da relação e ainda que sob forte impacto emocional, pois uma separação nunca é fácil, precisam cuidar para que a criança não fique com a missão de salvar o casamento ou resolver os problemas advindos dele.

Trabalhar com a verdade quanto ao que vem acontecendo em relação à estrutura familiar, não quer dizer colocar a criança para decidir junto e muito menos colocá-la para tomar partido de um dos pais.

Ainda é preciso pensar que filho não é sinônimo de amigo. Como está definido no Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos: " Amigo: (...) 2.Aliado, concorde. (...) 5.Defensor, protetor. 6.Partidário. 7.Aliado" - não se pode colocar a criança nestas posições. Independentemente dos motivos que levam o casal a não mais permanecer junto, a imagem do pai e da mãe precisa ser preservada por ambos.

Quando os pais assumem-se diante do desejo de se separarem e tratam o assunto como um processo de amadurecimento do casal, oferecem à criança a oportunidade de também amadurecer junto.

Mônica Donetto Guedes é psicanalista, psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.

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