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Letras e desenhos

Publicado 30 Jun 2016 – 08:15 PM EDT | Atualizado 2 Abr 2018 – 01:02 PM EDT
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Existe uma queixa recorrente dos pais em relação à letra de seus filhos. Letra muito pequena ou grande demais, letra sem capricho ou ilegível. É comum o comentário: " Na minha época de escola fazíamos caligrafia." Comentário sempre acompanhado de perguntas angustiadas: "E hoje? O que faço?" Muitas vezes, nas séries mais adiantadas, o desenho da letra é tão precário que atrapalha o rendimento escolar porque o professor não entende o que o aluno escreveu, prejudicando a avaliação.

A aquisição da escrita não começa na alfabetização. É um processo trabalhado desde a Educação Infantil. E onde exatamente se inicia? Desde que a criança faz seus primeiros traçados no papel em forma de rabiscos. Essa fase, chamada rabiscação evolui para a celular, com os famosos desenhos das bolinhas e, depois, para a garatuja, que são aqueles bonecos onde os braços e pernas saem da cabeça. Finalmente, a criança começa a desenhar cenas simples como uma casa com um boneco e o céu, evoluindo até a cena completa, quando coloca novos elementos no desenho e, em seguida, para cena completa com detalhes, quando enriquece a produção com pequenos objetos, novas cores, particularidades nas figuras. Por volta dos seis anos, a criança já é capaz de produzir uma cena completa.

Os movimentos, a firmeza, a forma de se organizar no papel, o jeito de segurar o lápis, tudo isso é pré-requisito para ter uma boa letra


Quando a criança desenha, está desenvolvendo a coordenação motora ampla, no início; e fina, mais tarde. Coordenação motora ampla quando segura o lápis fechando todos os dedos em torno dele e fazendo movimentos grandes. Coordenação motora fina já com o movimento de pinça, quando segura o lápis da forma convencional e já elabora os elementos gráficos. Por isso é indicado que se dê para os pequeninos lápis grossos do tipo giz de cera e papéis variados grandes, como o pardo ou cavalete. Com o passar do tempo, diminui-se o tamanho do papel e pode-se usar lápis de cor, canetinhas e similares. Isso porque a criança vai adquirindo habilidades como, por exemplo, a orientação espacial, que faz com que perceba os limites de onde pode desenhar. Nessa fase, sua mesa não será mais alvo de riscos e rabiscos.

Os movimentos, a firmeza, a forma de se organizar no papel, o jeito de segurar o lápis, tudo isso é pré-requisito para ter uma boa letra. E não estou falando em letra feia ou bonita. Hoje sabemos que a letra é um traço da personalidade do indivíduo e, portanto, não deve ser alterada. Mas também não pode ser ilegível. A preocupação com o desenho certo da letra deve existir, por isso é importante orientar e supervisionar a escrita durante a alfabetização.

Além do desenho, várias atividades como a pintura a dedo ou com pincéis largos e finos, modelagem com massinha ou argila, recorte e colagem, entre muitas outras, ajudam a desenvolver as habilidades necessárias para o traçado das letras. Uma dica: não deixe essas atividades serem feitas apenas na escola. Transforme-as em brincadeiras em casa, sugerindo que seu filho desenhe a cena que mais gostou do filme a que assistiram juntos, que modelem com massinha o personagem preferido de uma história que você contou, que produza um cartão de aniversário para um familiar ou amigo usando papel, seja rasgando, fazendo bolinhas ou recortando e colando. E o que mais você possa imaginar. Mas lembre-se de participar sempre e valorizar a produção.

Outra questão que aparece muito na clínica é se os pais devem ensinar a escrita em casa e como devem fazê-lo. Nesse caso, penso que a orientação da escola deve ser seguida. Normalmente, é melhor deixar o processo por conta do colégio, que tem seu próprio método de alfabetização. Mas atenção, sem radicalismo. Uma amiga relatou-me que sua filha, hoje com vinte anos, queria escrever a palavra colégio e perguntou ao pai como era o g. Com a melhor das intenções, disposto a não atrapalhar o processo de alfabetização da filha, o pai respondeu: escreve escola que você já sabe. Minha amiga conta que, para a menina, foi uma frustração e poderia ter sido também um grande desestímulo. Então, seguir a linha adotada pela escola sim, mas com bom senso e equilíbrio. Recomendo que, ocorrendo dúvidas, os pais devem marcar logo uma entrevista com a professora ou com a equipe pedagógica. É muito natural ficarem ansiosos ou angustiados nesta fase da vida escolar de seus filhotes. Isso também se aplica ao encaminhamento para uma avaliação psicopedagógica ou fonoaudiológica. A escola está capacitada para dizer o momento certo e pode orientar sobre o que é normal acontecer durante o processo e o que deve ser visto com um especialista, para facilitá-lo.

Agora, e se seu filho está cursando uma classe mais adiantada e há problemas com a letra dele? Tire um tempo para resgatar o desenho, principalmente. Incentive-o a elaborar o grafismo, a inserir detalhes nas cenas, a colorir. Trabalhe bastante a coordenação motora fina e depois retome os movimentos corretos dos desenhos das letras. Qualquer tarefa nesse sentido deve ser prazerosa e ,para que isso aconteça, é preciso usar a criatividade. Cópia, ditado e caligrafia podem até ser usados, desde que não seja enfadonho para a criança. Recicle essas atividades porque elas também podem dar certo se dirigidas com criatividade. Por exemplo, escute junto com seu filho uma música de que ele goste muito. Depois, proponha que escreva a letra e a ilustre. Ele pode copiar ou você ditar. A produção pode ir via e-mail para os amigos e ficar exposta no quarto da criança.

E nunca se esqueça de que a letra da criança é parte integrante de seu EU. O traçado pode agradar ou não a você. Melhor dizendo: você pode pensar que é feia ou bonita, mas essa não é a questão importante. O fundamental é que a escrita é um meio de expressão e comunicação e, para funcionar assim, a letra deve ser legível. A criança deve entender dessa forma, para que se empenhe em mudar. Aí reside a verdadeira aprendizagem, no prazer de apropriar-se de novos comportamentos, saberes e habilidades.

Lucíola Agostini é psicopedagoga clínica, pedagoga e dinamizadora de oficinas nas áreas de educação, teatro e vídeo do Apprendere Espaço Psicopedagógico.

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