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Criando o hábito de ler

Publicado 30 Jun 2016 – 08:14 PM EDT | Atualizado 2 Abr 2018 – 01:02 PM EDT
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"A leitura nos torna seres humanos mais interessantes e completos". É assim que a autora infantil Inês Stanisiere define o papel dos livros. De fato, as vantagens encontradas na leitura são imensas. Além de incrementar o vocabulário e ajudar na hora de escrever, ler desenvolve o raciocínio lógico, a criatividade e a imaginação. É, também, um importante exercício para a vida adulta, já que nas histórias as crianças se deparam com muitas situações reais, que elas poderão presenciar no futuro. "O universo dos livros corrobora para que a criança amplie sua capacidade de concentração, de expressão e de avaliação dela e do mundo. Possibilita uma visão mais crítica, um olhar mais afiado, um raciocínio mais rápido e riqueza cultural", diz Inês.

Infelizmente, mesmo diante de tantos benefícios, o quadro não é tão animador: o Brasil figura entre os países com o menor índice de leitura no mundo. A pesquisa Retratos da Leitura, encomendada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada no último dia 28 de maio, revelou que a quantidade de livros que é lida pelos brasileiros, em média, não chega a cinco por ano. Na França, por exemplo, este número sobe para sete livros. O mais triste é saber que, dentre os quase cinco títulos lidos por pessoa no Brasil, três são indicados pela escola, o que demonstra que o interesse pela leitura fora do colégio é baixíssimo.

Justificativas para tal desinteresse não faltam: falta de tempo, preço elevado dos livros, escolhas erradas, falta de empenho de educadores e pais e, é claro, analfabetismo. A escolaridade média dos brasileiros não chega a seis anos de estudo, enquanto nossos vizinhos argentinos, apesar de também apresentarem este índice, passam muito mais tempo por dia na escola. Doo quadro total de compradores de livros no Brasil, 55% têm ensino superior, 26% ensino médio e 25%, ensino fundamental. Mas a fama dos livros não é das melhores até mesmo entre os brasileiros alfabetizados! Sessenta e um por cento dos adultos que sabem ler tem pouco contato com o livro. E 17 milhões admitem não gostar de ler...

E por que não gostam? Para Inês, é a escola a grande vilã: "Ela faz um desserviço à literatura. Obriga crianças a ler livros e fazer provas valendo nota, como se a leitura pudesse ser avaliada dessa forma. A imposição cria uma resistência imediata. Além disso, os livros impostos, na maioria das vezes, são clássicos pesados, sem pontos de interesse com a vida daqueles alunos. Livros que deveriam ser lidos somente anos depois. Então, ler passa a ser associado a algo chato, obrigatório e que vale nota", argumenta a escritora.

Com a chegada da televisão e da internet, a situação se agravou. Segundo um estudo publicado pelo Instituto global Ipsos em 2004, dentro de um grupo de 500 pais e mães de crianças e adolescentes entre 2 e 17 anos, 43% revelaram que seus filhos não ocupam nada de seu tempo livre com leituras. Em contrapartida, 57% afirmaram que as crianças assistem à TV pelo menos três horas por dia.

Por que começar a ler?

Os primeiros livros produzidos para crianças surgiram no final do século XVII, juntamente com o conceito de infância, que até então não existia. No Brasil, porém, a literatura infantil só apareceu no final do século XIX. Antes disso, já circulavam algumas obras estrangeiras, mas foi o teuto-brasileiro Carlos Jansen que passou a traduzir e adaptar esses livros para a linguagem local. Surgia, assim, clássicos como "As mil e uma noites", "Dom Quixote" e "Robinson Crusoé".

Os benefícios de uma introdução à leitura desde cedo são muitos, como vimos. Mas os mais visíveis talvez se dêem no campo do desenvolvimento da linguagem - sobretudo, da escrita. Quem nunca ouviu dizer que crianças que lêem mais tendem a escrever melhor? Pois é, a autora Inês Stanisiere concorda com a afirmativa: "Ler nos ensina sobre gramática, construção de frases, ortografia e estilos de linguagem. Aumenta o vocabulário e nos ajuda a dar coerência aos pensamentos e a desenvolver a memória, buscando sentidos expressos e ocultos. E tudo de forma prazerosa e, muitas vezes, inconsciente", revela. Ler ajuda também a exercer a criatividade. "Diante de um livro, somos levados a criar o personagem, a cena, a imaginar suas vozes, seus atributos físicos e personalidade. O livro traz uma linguagem que não é direta. A gente tem as palavras, mas não tem um pensamento pronto. Então, ele estimula o raciocínio da criança", explica a psicóloga e psicopedagoga Ana Maturano.

E, através dos livros, cada um cria seu universo de imagens. Ao receber um conteúdo que não se apresenta pronto e acabado, é função do leitor atribuir vida e sentido ao que lê. "Quando o leitor busca o significado e sentido do texto, não mais no que o autor queria dizer, mas no âmbito pessoal, em seu contexto cultural e suas experiências, ele consegue construir sentidos diferenciados para o que lê", afirma a professora e especialista em Educação Infantil, Mara Beatriz Nascimento.

A leitura também possibilita que a transição para a fase adulta se dê de forma tranqüila e sem traumas. "Através dos livros ganhamos um uma mente mais aberta. Podemos nos inspirar, ter idéias novas e encontrar soluções. Ou simplesmente sair da realidade por algumas horas e nos transportar para outros lugares, numa espécie de refúgio, onde se pode escapar nos momentos de maior dificuldade", diz Inês. E as fábulas e contos de fada cumprem bem esse papel. Com uma linguagem direta, eles falam dos desafios da vida, do crescimento, da personalidade. "Não existe um sapo que vira príncipe como nos conta a história, mas existe aquele menino feio ou aparentemente antipático pelo qual um dia a gente se apaixona", compara Ana.

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