Ansiedade infantil

Sabemos que ansiedade é uma reação a algum perigo, a ameaça de que algo será perdido. Pretendo neste artigo trazer contribuições ao que se refere à ansiedade sentida pela criança na primeira infância, e o reflexo desta ansiedade ao longo do seu desenvolvimento.

A criança de poucos meses se ressente quando deixada com alguém que lhe é estranha. Junto com essa experiência, vários sentimentos encontram-se reunidos. O choro, a tristeza no olhar, o medo expresso no rosto demonstram o quanto pode sentir de dor. A dor é a representação real à perda do objeto e a ansiedade é a reação ao perigo que essa perda provoca.

O que acontece com a criança neste momento? O que mais a ameaça? Do que de fato tem medo? Podemos nos perguntar.

Muitas brincadeiras da primeira infância são formas encontradas pela criança de lidar com suas fantasias e são organizadoras na formação do eu

Na ausência da mãe o que aparece é a fantasia de que suas necessidades não serão mais supridas, pois entende que só a mãe ou seu substituto (avó, babá, pai) podem satisfazê-lo. Neste momento, podemos delimitar o primeiro sinal que marca o processo de ansiedade como a possibilidade de algo perder.

A brincadeira infantil é um excelente método usado pela criança para fazer experiências que de alguma forma a tranqüilize quanto às vivencias que provocam esta ansiedade. Brincando, representam as situações ameaçadoras e que causam sofrimento no dia-a-dia. É possível perceber que a criança que brinca pode elaborar algo de sua realidade que a fez ou faz sofrer, bem como pode aprender a lidar com seus medos e fantasias desagradáveis. Desta forma, transforma o desprazer vivido em prazer.

Como exemplo, temos um bebê de 8 meses que repetidas vezes joga um cubo no chão, ao mesmo tempo em que pede a um adulto para pegá-lo. Há neste movimento uma certa raiva contida da mãe que naquele momento está ausente, assim como o desejo de que ela possa aparecer a qualquer momento. Como podemos perceber, temos uma série de sentimentos que precisam ser organizados e a criança usa a brincadeira para isso. Só para ilustrarmos, o bebê neste momento pode sentir, entre outros: medo da mãe não voltar, raiva por ela o ter deixado, sentimento de culpa por ter sentido raiva da mãe.

Um outro aspecto importante a ser considerado é que a criança pequena não pode ainda distinguir a ausência temporária, da perda permanente. Para ela, quando sua mãe se ausenta é como se nunca mais fosse voltar. Por isso as experiências se tornam importantes, pois cada vez que a mãe sai e retorna a criança irá construir a idéia de que o seu desaparecimento não é para sempre.

Esse deslocamento que a criança faz do seu mundo interno para o mundo externo, através do brincar, permite a ela lidar melhor com os seus medos e suas fantasias de destruição e, desta forma, vai se adaptando melhor a realidade. Como exemplo clínico podemos trazer o caso de uma menina de 7 anos que com freqüência chora na escola, liga para a sua mãe, pois teme que algo possa acontecer a ela no período que não estão juntas. Sente durante todo o tempo como se essa mãe fosse desaparecer ou morrer. Possivelmente esta criança, quando pequena, viveu uma forte ansiedade marcada por uma vivência temporária de ausência da mãe, como permanente.

Muitas brincadeiras da primeira infância são formas encontradas pela criança de lidar com suas fantasias e são organizadoras na formação do eu. As brincadeiras com bonecas, os cuidados oferecidos a elas, as trocas de roupas, o alimentar, os cuidados na higiene com os banhos e trocas de fraldas podem retificar (caso tenha uma experiência negativa e traumática com a mãe), ou ainda ratificar a relação amorosa que tem com ela – assim pode se assegurar, pela transferência que faz com a boneca, de que a mãe realmente a ama e vai estar ali, sempre que precisar, para cuidar dela. Nas brincadeiras, o que temos são realizações de desejos e a reprodução de vivências anteriores.

Os educadores têm um excelente instrumento quando oferecem esse espaço do brincar às suas crianças, pois em grupo os papéis podem ser empregados e através da troca podem viver muitas experiências que as organizarão tanto relacional como emocionalmente.

A partir dos 6 ou 7 anos a criança estará facilmente substituindo as brincadeiras imaginativas, o faz-de-conta, por outros recursos que possam continuar dando a ela a possibilidade de elaborar suas ansiedades, desenvolvendo-se de forma saudável. Próximo a essa idade já controla melhor sua ansiedade, assim como também já corresponde melhor as exigências do mundo real.

Entre esses recursos, por exemplo, estão os relacionados às tarefas escolares. A possibilidade da aprendizagem formal, isto é, ser alfabetizada e, portanto, estar pronta para aprender os códigos da escrita, usar os espaços permitidos pelo caderno, os cuidados empregados aos materiais escolares e o capricho com a letra têm o mesmo significado simbólico das brincadeiras de casinha, de boneca etc.

Um outro recurso importante para que a criança possa controlar sua ansiedade é a ajuda externa, isto é, de adultos que possam introduzi-la na lei. Os limites impostos pelos pais, as regras estabelecidas pela escola e o fato de ter que se conter diante de algo que vem do mundo externo, como, por exemplo, as metodologias de ensino, serão importantes para que a criança se organize emocionalmente e possa conter alguns dos seus impulsos e desejos não realizáveis. As proibições têm sua eficácia e não devem ser dispensadas. O controle da ansiedade infantil irá passar pela criança em diálogo com o mundo.

No entanto, é preciso cuidado no que diz respeito a esta ajuda externa como condição para o controle da ansiedade infantil. A criança precisa também criar seus próprios mecanismos de controle. Não pode associar seus interesses e suas ações futuras a um meio de ganhar amor e reconhecimento dos pais e mestres. Ao contrário, quanto menos dependente for e quanto mais buscar dentro de si mesma o caminho para lidar com as suas ansiedades e com seus sentimentos de culpa, mais fortalecida estará quanto a sua capacidade de controlar a ansiedade.

Mônica Donetto Guedes é psicanalista, psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico