Amigo imaginário

Seu filho tem entre dois e cinco anos e fala com personagens que só existem na imaginação dele ou fantasia que conversa com um super-herói ou personagem da TV? – Sim? Então, nada de pânico. Ele simplesmente tem um amigo imaginário!

É natural a criança pequena inventar um amigo que não existe no mundo real. No mundo da imaginação, esse amigo, além de fazer companhia, partilha os momentos de alegria e tristeza, fazendo-se presente em diversas situações do cotidiano da criança. Mas por que elas os inventam? Muitos pais podem se fazer esta pergunta. Vamos então pensar juntos sobre isto.

Quando (e somente quando) forem solicitados, os pais podem participar das conversas ou brincadeiras com o amigo imaginário, tratando com naturalidade e seriedade essa manifestação da brincadeira infantil

Normalmente, os amigos imaginários ou invisíveis surgem quando algumas mudanças, significativas para a criança, acontecem em sua vida, trazendo novidades com as quais ainda não sabe lidar, despertando por isso sentimentos de insegurança, sofrimento, medo ou angústia. Pode ser a chegada de um irmãozinho, a separação dos pais, a perda de alguém próximo, a mudança de escola ou de casa, ou ainda o momento em que larga a mamadeira ou a chupeta.

Nestes momentos então, em que a criança se sente fragilizada e insegura, os amigos imaginários surgem como importante e valioso recurso para ajudá-la a enfrentar situações conflituosas, na medida em que, no seu imaginário, compartilham seus segredos, dividem os acontecimentos do dia-a-dia e lhe permitem falar sobre algo que, por algum motivo, não consegue falar diretamente aos adultos próximos a ela. Além do que, o amigo imaginário está sempre disponível, aparece quando a criança quer, não pega seus brinquedos e nem briga com ela.

Porém, vale ressaltar que a criança sabe muito bem que o amigo imaginário é de “brincadeirinha”, é um jogo de faz de conta ao qual ela se refere como sendo de verdade. No brincar há uma consciência da irrealidade da situação, que é produzida intencionalmente. A criança sabe que se trata de algo imaginado, de pura ficção. Ela não alucina. É importante entender que mesmo que alguma coisa não seja real na medida de sua existência concreta, pode ser real na medida de sua representação, já que existe no pensamento, na imaginação. Nesse sentido, os jogos infantis são roteiros compreensíveis, que possuem coerência e inteligibilidade, mesmo quando se contrapõem à realidade material, como é o caso dos amigos imaginários.

No entanto, é importante que os pais saibam lidar com esta fantasia, no sentido de respeitar o espaço de criação do filho sem, contudo, estimulá-lo. Desta forma, não devem ridicularizar a criança, nem mesmo questioná-la quanto a existência do tal amigo, uma vez que se tem conhecimento tanto da naturalidade quanto da necessidade desta criação, assim como não adianta afirmar que o amigo não existe – a criança sabe disso! Tirá-la de sua brincadeira significa destituí-la de sua válvula de escape e calar aquilo que precisa ser falado.

Deixe a criança conversar e brincar com seu amigo irreal, sem interferir, mas fique atenta ao conteúdo da conversa, pois está aí um rico material para entender o que pode estar a afligindo. Em outra oportunidade, pode conversar com seu filho sobre o assunto, abrindo espaço, para que externalize seus sentimentos, podendo reelaborá-los.

Por outro lado, é preciso que os pais estejam atentos para não estimular a fantasia do filho, afinal pode ser uma tentação pedir para o amigo imaginário ajudá-lo a arrumar a bagunça que deixou no quarto, não é? Mas lembre-se, o amigo faz parte da imaginação do seu filho, não da sua!

Quando (e somente quando) forem solicitados, os pais podem participar das conversas ou brincadeiras com o amigo imaginário, tratando com naturalidade e seriedade essa manifestação da brincadeira infantil. Porém, não se deve conversar com o amigo invisível sem ter sido convidado a fazê-lo, não lhe faça perguntas que devem ser feitas ao seu filho, muito menos o use como barganha para conseguir algo da criança, como dormir na hora certa, comer tudo ou realizar qualquer outra atividade que normalmente tem dificuldade de fazer. É necessário ter cuidado para não agir como se o amigo fosse de carne e osso, pois a criança precisa ter a exata noção do que é fantasia e do que é realidade.

Normalmente, esta fantasia é dissipada com o tempo. A medida em que a criança vai crescendo, os amigos de verdade substituem os imaginários, o que acontece por volta dos cinco, seis anos de idade. Neste sentido, vale estar atento para o caso de seu filho, mesmo quando na companhia de outras crianças, preferir brincar com o amigo imaginário, demonstrando dificuldade nas relações interpessoais.

É importante perceber o grau de influência que os amigos imaginários têm na vida da criança, pois a função deste amigo não deve ser, em momento algum, prejudicial ao seu desenvolvimento.

Márcia Mattos é psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.