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A função do erro

Publicado 30 Jun 2016 – 08:14 PM EDT | Atualizado 2 Abr 2018 – 01:02 PM EDT
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"É errando que se aprende!". Quem não conhece esta afirmativa? Você concorda com ela? Convido você a pensar sobre a forma como encaramos os erros de nossos filhos. Sem dúvida alguma, os pais valorizam e ficam orgulhosos com os acertos, sucessos e conquistas dos filhos. Contudo, é praticamente impossível chegar a eles sem dar uns "tropeços" pelo caminho, pois o erro é parte integrante do processo de aprendizagem. A forma como os erros são encarados e resolvidos pela família e pela escola é crucial para o desenvolvimento da criança.

Somos seres humanos constituídos de inteligência e sentimentos. Portanto, não podemos pensar no processo de aprendizagem, dissociando estas duas instâncias. Seria impossível pensar a construção do conhecimento desconsiderando os afetos nele envolvidos. Por exemplo, penso num caso clínico que podemos compartilhar para entender melhor esta questão: uma criança, filha única, que aguarda a chegada de um irmão. Ao longo de sua vida, não pôde vivenciar a experiência de compartilhar e dividir a atenção da família, sobretudo de seus pais. Neste mesmo momento, na escola, está aprendendo o conteúdo de divisão em matemática, fato que desencadeou um problema de aprendizagem, pois dividir era algo que não fazia parte da sua experiência e principalmente de seu desejo.

Quando a criança expõe uma idéia, a princípio, o valor de sua participação deve ser infinitamente maior que o valor atribuído ao erro


Portanto, não é tão simples pensar que uma criança que erra, e vem apresentando dificuldade para aprender determinados conteúdos, o faz conscientemente. Em algumas situações, o erro aparece como sintoma, uma tentativa da criança de falar de sua dor, do que a incomoda e o quanto está difícil para ela lidar com algo que está sendo vivido. Assim, é preciso pensar que a forma como o erro é encarado e corrigido não passa somente pelo domínio do saber, mas também e talvez mais intensamente, pelo domínio do sentir.

Alguns pais lidam mal com os erros dos filhos porque o tomam para si. É como se estivessem errando também pelo fato de não estarem conseguindo dar a criança condição para que ela aprenda. É preciso desculpabilizar-se e pensar que sentimentos disparam em você, o erro do seu filho.

Em outros momentos, percebemos crianças que repetem na escola as mesmas dificuldades de um dos seus pais. Gostaria aqui de ilustrar com um outro caso clínico: uma menina que apresentava muita dificuldade em matemática assim como sua mãe. Na clínica, acompanhando a criança, foi possível perceber que esta era a única forma de ela se aproximar da mãe.

Por isso penso que é preciso ter tato, acompanhar a criança no sentido de compreender se, de fato, está errando porque não vem desenvolvendo as tarefas como deveria ou se algo que está aprendendo pode estar afetando-a a ponto de paralisar o seu processo.

Para as mães de plantão no acompanhamento diário dos filhos, vale algumas dicas!

- É preciso estimular a capacidade de pensamento e reflexão da criança. Isto acontece oferecendo a ela espaço para expor suas dúvidas e conclusões.

- Dar o acolhimento necessário, ouvindo com atenção, questionando sobre o que ainda parece não ter sido entendido pela criança sem recriminar ou reprimir. Quando a criança expõe uma idéia, a princípio, o valor de sua participação deve ser infinitamente maior que o valor atribuído ao erro, se este acontecer. Neste exercício, a criança vai sendo encorajada a expor seu pensar, mesmo que não esteja dentro dos padrões de acerto, pois é este encorajamento que desencadeará a possibilidade para que ela se autorize a aprender e a produzir de forma criativa e interessante.

- Nunca fazer por ela, pois como a criança vai adquirir conhecimento se não a deixam tentar de novo e outra vez e mais uma outra vez...

Ainda considerando o fato de que a aprendizagem não se limita a aprendizagem escolar, é preciso refletir como estamos acompanhando as crianças no que diz respeito às outras tarefas - como, por exemplo, as tarefas rotineiras de casa: arrumar a cama, lavar louça, guardas seus brinquedos: Quando seu filho não faz do jeito que você reconhece como o certo, você pede para ele refazer, refaz junto quando percebe que ele ainda não consegue fazer "da melhor maneira" ou apenas reclama, desconsidera a sua iniciativa e acaba por fazer você mesma?

A atitude dos pais diante do erro do filho pode ser construtiva, quando dá condição a criança de perceber o seu desenvolvimento, na medida que vai repetindo a experiência; ou destrutiva, quando a criança é destituída da capacidade de pensar, ou pior ainda, quando é ridicularizada por sua produção. Quantas vezes não aniquilamos o filho quando ele nem tem consciência do que seria o certo?

Tentar impedir de todas as formas que o filho erre equivale a obstruir o processo de sucessivas aprendizagens. É o mesmo que impedir que construa os instrumentos indispensáveis ao seu pensar e a sentir-se capaz .

Márcia Mattos é psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.

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